Mais de 13 milhões de eleitores vão às urnas no Equador neste domingo escolher o próximo presidente. De um lado, o atual mandatário, Daniel Noboa, 37 anos, tenta se manter no cargo após um mandato relâmpago marcado por uma crise de segurança que transformou o país no mais violento da América Latina.
Do outro, a advogada e ex-deputada Luisa González, 47, herdeira política do ex-presidente Rafael Correa (2007–2017), aposta em uma frente ampla para levar a esquerda de volta ao poder. Embora o apelo da sua campanha a um passado de estabilidade ecoe em parte da população — traumatizada pela violência entre gangues e pela militarização do cotidiano —, González enfrenta o desafio de vencer o anticorreísmo e conquistar eleitorados-chave, como os jovens e os indígenas.
Há pouco mais de um ano, o Equador estampava as manchetes com imagens de homens armados invadindo um estúdio de TV ao vivo e rendendo jornalistas. Na época, a fuga do líder de uma das maiores facções do país de uma prisão havia sido o estopim de uma crise generalizada.
Como resposta, o governo Noboa decretou estado de exceção, mandou militares às ruas e designou cerca de 20 grupos criminosos como terroristas. A princípio, a reação linha-dura obteve apoio. Mas, 15 meses depois, parte do eleitorado chega às urnas com a sensação de que as políticas falharam, avaliam analistas ao GLOBO.
— Sua estratégia de pulso firme gerou resultados limitados, ao mesmo tempo em que militarizou a vida cotidiana e provocou diversas violações de direitos humanos, assumindo, por vezes, o caráter de uma guerra contra os pobres — afirma Maria Villarreal, professora da UFRRJ.
Para Leonardo Magalhães, especialista em Equador e CEO do instituto IPSE, o descontentamento com as políticas de segurança soma-se à insatisfação em outras áreas:
— Um ano atrás, Noboa era visto como alguém capaz de renovar a política equatoriana. Hoje, essa esperança se esvaiu: apenas 16% ainda acreditam nisso. O restante o apoia por falta de alternativas ou por rejeição ao correísmo — diz.
NARCOTRÁFICO
A crise de violência no Equador precede a chegada de Noboa à política. Em 2023, o país bateu o recorde de 47 homicídios por 100 mil habitantes — contra apenas seis em 2018. A explosão está ligada às mudanças no tráfico de cocaína na América Latina: por sua localização entre Colômbia e Peru, além da proximidade com portos rumo à Europa e aos EUA, o país virou rota estratégica.
Com economia dolarizada e estrutura criminal fragmentada, a disputa por narcodólares que passaram a circular de repente no país se transformou em uma guerra entre facções locais, muitas apoiadas por cartéis mexicanos.
Hoje, estima-se que 73% da cocaína produzida no mundo passe pelo Equador, segundo a ONU. Apesar das ações de repressão adotadas por Noboa, o país registrou em 2024 um recorde de 294 toneladas de drogas apreendidas. A taxa de homicídios caiu para 37 por 100 mil, mas o Equador segue como o país mais violento da América Latina. O próprio Noboa calcula que o narcotráfico movimenta cerca de US$ 30 bilhões por ano, cerca de 24% do PIB nacional.
ACIRRAMENTO
Mesmo com a imagem desgastada, Noboa chega ao segundo turno após um empate técnico com González no primeiro, quando obteve só 16 mil votos a mais que a advogada. Segundo o instituto Comunicalize, Noboa aparece com 41,5% das intenções de voto, contra 41,1% da adversária.
O cenário acirrado levou as campanhas ao modo tudo ou nada. Noboa acusou o partido de González, o Revolução Cidadã (RC), de ligação com a facção Los Lobos, alegando, sem provas, que o bom desempenho da adversária teria sido obtido por ameaças de integrantes do grupo a eleitores.
Já González viralizou ao expor em um debate uma investigação que liga a família do presidente ao narcotráfico. Segundo reportagem da revista Raya, entre 2020 e 2022, cerca de 700 quilos de cocaína foram apreendidos em contêineres da Noboa Holding, camuflados em cargas de banana — tática comum entre traficantes, que escondem drogas entre produtos perecíveis para um transporte marítimo mais rápido.
ECONOMIA
Em jogo no pleito também está o desejo de retorno a um bem-estar social que se dissipou com a escalada da violência. A economia encolheu por quatro trimestres consecutivos em 2024, e a guerra às drogas motivou aumento de impostos e levou o índice de pobreza a 28%. Segundo Villarreal, a população ainda lembra da crise energética que deixou parte do país no escuro por dias no ano passado.
— O emprego e o salário são os principais desafios do ponto de vista da população — diz Magalhães. — Nesse sentido, as propostas de Luisa têm vantagem, até pela lembrança positiva dos governos correístas.
Outro ponto sensível foi a resposta de Noboa às tarifas impostas pelo presidente americano, Donald Trump. Em vez de retaliar, o líder equatoriano, que se orgulha da aliança com o republicano, isentou os EUA das tarifas de importação sobre automóveis. A decisão gerou críticas até entre seus apoiadores.
INDÍGENA E JUVENTUDE
O voto indígena e jovem – Neste domingo, a disputa se concentra em duas regiões: a Serrana, onde está a capital Quito, e a Costeira, onde fica Guayaquil, centro econômico e mais afetado pelas políticas de segurança, devido aos seus portos.
— O “santo graal” das eleições são os eleitores da região Serrana, que têm certa rejeição ao correísmo nas eleições nacionais. Noboa vai precisar consolidar essa rejeição se quiser vencer — analisa Magalhães.
Para Villarreal, González tem se apresentado como herdeira de um legado de estabilidade, e seu carisma pode ajudá-la a superar o machismo da sociedade e contornar o anticorreísmo. Se eleita, será a primeira presidente mulher da História do país.
com folhape